443. MOONSPELL - 1755

Em primeiro de novembro do ano de 1755, ocorreu em Portugal uma das maiores catástrofes naturais da História de todo o "velho" continente europeu. Portugal, e mais especificamente sua capital Lisboa, foi acometida de um apocalíptico terremoto que, acompanhado de uma série de breves tsunamis e um infernal incêndio, ocasionou uma das maiores tragédias conhecidas e registradas em toda a Europa por consequências de fenômenos naturais. A catástrofe, ironicamente, ocorreu exatamente durante as celebrações católicas do dia de todos os santos, quando a população lisboense, extremamente devota, abarrotava as várias igrejas e conventos da capital (pela arquitetura da época, verdadeiros gigantes de pedra) e viu e sentiu o mundo literalmente desabar sob suas cabeças, como a própria Ira apocalíptica de um Deus vingativo. A repercussão material da tragédia, segundo os vários registros feitos na época, deixou Lisboa literalmente no chão e um absurdo número de mortos (dados apontam entre 70 e 90.000 de uma cidade com uma população com menos de 300.000 habitantes) espalhados pela cidade, o que modificou a paisagem do país e levou a desdobramentos que atingiram até  nosso Brasil, principal fonte financeira de Portugal na época e (forçadamente) fundamental no financiamento da reconstrução da metrópole. 
Em 2017, o Moonspell, principal banda de Metal portuguesa liderada pelo vocalista Fernando Ribeiro, dono de uma carreira mais que consolidada e respeitada em todo o mundo, trás ao mundo o seu décimo segundo álbum de estúdio, sua obra mais ambiciosa e apotéotica, o conceitual 1755, tratando exatamente desse desastre ocorrido em sua terra natal. Contando ainda com o guitarrista Ricardo Amorim, o baterista Mike Gaspar, o tecladista Pedro Paixão Telhada  e o baixista Aires Pereira, o grupo lusitano mostra a força  e maturidade de uma formação que já atravessou duas décadas juntos, com expertise para encarar o desafio de uma obra com essa envergadura. Orquestrações, corais em latim, espetaculares riffs e solos e músicas que se conectam brilhantemente através desses elementos e, principalmente, das contundentes letras escritas por Fernando (e recomendo a audição do álbum acompanhada de suas leituras) tornam esse, meu trabalho preferido do grupo.
As principais faixas do álbum, tornam-se também para mim algumas das melhores músicas da carreira da banda. Iniciando com uma nova versão para Em Nome do Medo, presente inicialmente no álbum Alpha Noir, de 2012, e escolhida para abrir o disco remoldada, com uma roupagem menos agressiva e propositalmente sinfônica, tornando-a ainda mais climática e perfeita para a abertura do álbum por criar, brilhantemente, a necessária sensação de drama e, sobretudo terror, para envolver o ouvinte nessa visceral temática. O alto nível se mantém, com Fernando Ribeiro vociferando constantemente a dor e sofrimento do povo  português morto na catástrofe, ao mesmo tempo que questiona visceralmente a fé dos homens nos desígnios divinos (extremamente bem representados em toda a obra pelos cantos em latim), depois da queda da quase totalidade de igrejas e conventos de Lisboa em faixas como 1755, In Tremor Dei, 1 de Novembro e Todos os Santos. Cabe aqui um destaque diferenciado para a espetacular Desastre, uma verdadeira obra prima -que no disco aparece também como bonus track em uma versão ainda melhor, cantada em espanhol -,  com seu brado de revolta mostrando a insignificância do homem perante essas forças "(...)És apenas um homem, um escravo de Deus, autor do desastre que aconteceu(...)", é talvez a faixa que melhor representa esse disco maravilhoso do Moonspell. Já a muito comentada cover de Lanterna dos Afogados do Paralamas do Sucesso, é interessante mas, a meu ver, descartável, não passando disso.
Comecei a acompanhar a banda a partir de seu penúltimo disco, o ótimo Extinct (2015), e incrivelmente já tive minhas expectativas quebradas exatamente nesse lançamento imediatamente posterior, o que me agrada bastante e me obriga a mergulhar mais profundamente nos demais trabalhos de sua discografia. 1755 foi lançado internacionalmente pelo selo Napalm Records e licenciado no Brasil pela Hellion Records

Tracklist 
01. Em Nome Do Medo
02. 1755
03. In Tremor Dei
04. Desastre
05. Abanão
06. Evento
07. 1 de Novembro
08. Ruínas
09. Todos Os Santos
10. Lanterna Dos Afogados (cover Paralamas do Sucesso)    
Bonus Track
11. Desastre (Spanish Version)
Official Video - In Tremor Dei
Official Lyric Video - Todos Os Santos

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